Arquétipo

Arquétipo

Arquétipo é uma figura humana que tipifica um personagem, traduzindo em português compreensível. O mendigo, a morte, o velho sapateiro e o marceneiro, são exemplos de arquétipos. E nessa reflexão, o velho marceneiro de óculos de leitura na ponta do nariz, cabelos e bigodes brancos, um avental de couro surrado, mãos expressivas e certamente um ou dois dedos amputados, não conferem nenhum engano ao lembrarmos do velho marceneiro que temos em mente, quando vamos encomendar um armário, uma cama, uma cozinha. Os mais saudosistas ainda lembram o velho Gepetto, com um sorriso bondoso, pintando delicadamente detalhes de um pé de cadeira, que será guardadacomo uma relíquia por muitas gerações na familia.

Os tempos mudaram. A tecnologia mudou. As pessoas mudaram ainda mais. Os materiais mudaram. As necessidades mudaram. A tecnologia mudou. Tudo mudou. E o velho marceneiro também mudou.

Melhorou? Somos mais felizes? Trocar os móveis nos tornou melhores? Nossas preocupações terminaram? Ou será que ainda somos os mesmos bobos românticos como foram nossos pais e avós? E o que os móveis tem em comum com nossa felicidade, com nosso jeito de viver, e com nossa capacidade de sermos felizes dentro de nossos espaços?

Pense comigo: levantamos, porque dormimos. Dormimos, porque nos cansamos. Nos cansamos porque trabalhamos. Trabalhamos porque precisamos viver. E para viver, precisamos de comida, bebida, prazer, lazer e todas as coisas que tornam a vida “vida”. Assim como faziam nossos pais. E nossos avós.

Temos as mesmas preocupações. Só mudou o tempo entre eles. Encurtou. Apressou a vida. Aproximou o mundo. A tecnologia nos permite falarmos em simultâneo com pessoas da Indonésia, do Egito e de Cazuza Ferreira. Porque lá também tem internet. Mas ainda temos que sentar, deitar, servir a mesa. Nossa cadeira tem quatro pés. A mesa também ( a maioria delas tem). A louça é lavada na pia. Mesmo quem tem lavadora, precisa ter pia também. Cama (ou box spring). São iguais (exceto que não se pode por um penico embaixo da cama box). Não são mais de madeira perfumada. São de melaminico (outro dia vou falar disso), MDF, MDP, Aglomerado. Os amadeirados, são apenas papel impresso com uma resina. Falta alma. Falta calor. Falta perfume. Falta uma pessoa: O Marceneiro. O velho mestre de bigode branco com ar bondoso e olhar de sabedoria. Falta alma. O móvel não é mais um amigo da familia. Não vai passar de geração a geração. Será descartado na próxima virada de tendência. Ou na próxima liquidação do magazine, para renovação de estoque. Porque o design vai mudar. Vai reformar nossa vida. Vai descartar nossas lembranças. Vai nos roubar a personalidade.

Geppeto foi trocado por um carnê. Por um cartão de drédito. O estudo de estilo, pelos juros da financeira. Geppeto morreu.

Pacard